24.3.10

29 de Fevereiro

Acho que caí na armadilha do tempo. Esse velho algoz que insiste em nos roubar tudo quanto é essência de alegria e tristeza, dor e prazer – vida, enfim – em módicas quantias que somente a posteriori se apresentam como gigante subtraído de nós mesmos, para nossa surpresa, desespero e indignação.
Eu costumava não perceber os minutos e horas que perdia no trânsito, no ócio improdutivo, na companhia de pessoas que nada tinham a me acrescentar, em projetos esdrúxulos no trabalho, em coquetéis de negócios onde o sorriso amarelo é a senha de acesso universal. Não mais. Estou por demais ciente...
E vem de repente a noção de que já passei dos trinta, e vivi boa parcela da vida construindo uma realidade da qual, agora, não faço tanta questão de me apropriar. O clichê seria dizer que tomei consciência de que não conseguirei, até o fim dos meus dias, ler todos os livros que gostaria. Mas a realidade é bem mais cruel do que isso: hoje, aqui e agora, já não tenho tempo para viajar, jogar, ouvir, mergulhar, correr, tocar, beijar, dançar, interpretar, gozar, comer, flertar e mesmo dormir tanto quanto gostaria. Ler?! – Ler é a menor das minhas questões.
Preciso com urgência arrumar um jeito de fazer tudo isso, sob risco de me tornar um sujeito intragável num futuro bem próximo. E mesmo em caso de sucesso, preciso todavia pensar em me casar e ter filhos, porque, afinal, que tipo de sujeito sou eu, que tendo caminhado por mais de três décadas sobre esta Terra, ainda imagina que tem muito a fazer antes de jurar dividir o resto seus dias com alguém que o ame, e reluta em dar sua moralmente obrigatória contribuição para a insustentabilidade populacional do planeta?
Tic. Tac. Tic. Tac. Tic. Tac.
Quero multiplicar meu tempo, para poder dividir meu tempo. Tenho dívidas a resgatar e desculpas a pedir a gente que me queria mais, me amava mais, e a quem não consegui me dar como mereciam - no passado, presente e futuro do pretérito. O fardo é pesado e para completar as costas me doem todas as manhãs. A vida me subtrai e o calendário só me oferece um único dia a mais em fevereiro de quatro em quatro anos. Essa conta não fecha, e eu estou numa puta moratória, beirando a insolvência. Angústia que só.