8.4.10

Dan Brown não tem nada com isso

Em 03 de abril, o colunista João Ximenes Braga publicou acintoso ataque ao Colégio de São Bento no caderno Ela do jornal O Globo. Minha réplica:
Prezado João,
Sinto muitíssimo pelo seu relato em coluna publicada no caderno Ela do jornal O Globo em 03 de abril. Sinto por você e por sua visão de mundo, que o impede de espantar-se com a sucessão de escândalos sexuais envolvendo o clero católico. Não que, por si, escândalos sexuais devessem causar espanto a priori. Como jornalista, compartilho a dureza de coração e o cinismo quando o assunto são desvios da norma de qualquer espécie. Mas dizer-se “blasé” quando crianças sofrem abuso denota um grau de frieza que, com o perdão da franqueza, beira a psicopatia. Então, antes de tudo, permita-me humildemente sugerir que o nobre colega, diante da coragem demonstrada na expiação pública de seus traumas, procure um profissional da psique para dar seqüência apropriada a esta catarse. Ganhará você como pessoa, ganharão seus leitores e admiradores quando isto vier a se traduzir em colunas menos raivosas.
Penso que estudamos em instituições de ensino diferentes. De certo o Colégio de São Bento que freqüentei é outro, em que nem de longe se vislumbravam os horrores por você descritos. Isso, ou posso considerar-me um sujeito ao mesmo tempo ingênuo e de demasiada sorte, pois que naquela casa de saber vim a experimentar o civismo por valor educacional e o debate em alto nível quando das discordâncias.
Tendo você falado de suas experiências, arvoro-me a partilhar as minhas: bolsista na escola, não tive minha posição ameaçada nem quando bati de frente com o reitor por duas vezes – uma por incitar colegas a cabular aulas para participar de passeatas contra o então presidente da República; outra quando, juntamente com amigos, participei da elaboração e publicação de um jornal-manifesto contra a estrutura do grêmio estudantil, provocando um racha pelos corredores. Ambas as ocasiões me levaram à reitoria para ter com o saudoso e respeitabilíssimo D. Lourenço de Almeida Prado, cuja biografia fala por si. Atesto que não encontrei nele qualquer ranço de autoritarismo. Muito pelo contrário, guardo até hoje respeito por sua legítima autoridade em face ao tom crítico e elucidativo das conversas que tivemos.
Permita-me dizer que tive ótima introdução às ciências humanas enquanto aluno do São Bento. A relação com professores e alguns padres do mosteiro, mais próximos ao colégio, lançou base para o desenvolvimento de visão crítica e livre pensar – diga-se de passagem, os mesmos valores pelos quais deixei de freqüentar a missa todos os domingos e acabei me afastando da Igreja Católica, mas isso é outra conversa. Fato é que ali se estimulava, sim, a criatividade e o desenvolvimento intelectual dos alunos. E não apenas na matemática aplicada. Concursos literários eram praxe, para dar apenas um exemplo. Usar as mazelas de uma Igreja que se reconhece santa e pecadora e importá-las para as salas de aula como forma de ataque ao colégio foi, a meu ver, golpe baixo de sua parte. Quando reflito sobre o número de contemporâneos discentes que sei terem se tornado menos religiosos justamente porque o ensino não era exacerbadamente contaminado pelo teocentrismo, só posso pensar que ganhamos nós, os estudantes, e perdeu a Igreja. Isso dentro do mesmo calabouço autoritário que, nas suas tintas, é pintado como um campo de concentração para jovens. Paradoxal, para dizer o mínimo...
No mais, prezado João, fica a pergunta: se o Colégio de São Bento foi tamanho suplício em sua trajetória, por que simplesmente não deixou seus quadros? É difícil imaginar pais que, diante do exposto por você, tenham optado por manter o rebento em suposto sumidouro de violência física e intelectual. Mas a indagação talvez seja inócua... Quer me parecer que você não tenha, de fato, concluído o ensino médio no colégio. É mera suposição, posso estar enganado. Faço-a baseado em limitada observação empírica de que tanto rancor contra a escola é lugar quase comum entre os que deixaram a caminhada precocemente, seja por que motivo. Entre os que podem dizer que completaram seus estudos no São Bento, é mais freqüente se notar orgulho. Seja como for, João, sinto por você. O grau de abuso que diz ter sofrido me condói. Quedar-se indiferente quando assunto é estupro – físico ou pedagógico – de crianças certamente não é traço beneditino. Não é traço, sequer, de um sujeito são. Cuide-se, colega. Não caia na armadilha do amargor que, à guisa de objetividade, tenta diariamente afastar a nós, jornalistas, do que seja humano.
Cordialmente,
Glauco Paiva
Jornalista