31.8.04

Sobre pizzas e Musas Olímpicas

Fim de Jogos Olímpicos. As primeiras Olimpíadas de que me lembro foram as de Los Angeles, 1984. É engraçado: sempre que terminam os Jogos eu me faço uma promessa de começar a treinar alguma coisa que me leve à próxima edição, quatro anos depois. Mas com a idade chegando - convenhamos, em Pequim 2008 já vou estar com trinta aninhos - vejo minhas alternativas esportivas diminuírem a cada inverno, e sobrevivo apenas da doce lembrança do basquete estudantil. Mas meu espírito de luta e competição jamais esteve tão vivo: sábado, por exemplo, participei de contenda gastronômica em um dos mais saborosos rodízios de pizza da cidade. Sentados à mesa três dos mais toscos e medievais atletas da modalidade, legítimos representantes dos Meninos Porcos. E embora o evento tenha marcado a aposentadoria de uma lombriga que certamente deixará saudades - vá em paz, Isaltina, rezamos por você! - Bóris (meu já lendário e impiedoso estômago) não decepcionou, e levou-me ao empate técnico com o Gaulês no alto do pódio:14 pedaços cada um. O garçom Inácio desdenhou, dizendo que já servira glutões mais vorazes. Mas eu duvido: vi em seus olhos o espanto - o mesmo que assolou as juízas do embate, as Meninas Torpes. E por falar em meninas, é preciso voltar a Atenas, para a eleição da Musa dos Jogos Olímpicos (outra mania deste neurótico jornalista e quase-ator). A ginasta romena Catalina Ponor recebe menção honrosa por seu rosto exótico, mas ocorre indiscutível e irrefutável incompatibilidade anatômica entre a minha humilde estatura e qualquer mulher que beire um metro e sessenta. Eu gosto das altinhas, e isso não é segredo para ninguém. Assim sendo, a americana Kerri Walsh, ouro no vôlei de praia, reina também absoluta em meus sonhos atenienses. É linda, gostosa, e derrotou as vascaínas Behar e Shelda, dando mais um vice às cruzmaltinas. Kerri é o que há. Eu quero a Kerri pra mim.

E fica a pergunta: o que será que me atrai tanto em atletas loiraças acima do metro e oitenta que moram na Califórnia? Mistério...

28.8.04

Lendo sinais (ou só lá-lá)

Primeiro sinal: me avisaram para imprimir a filipeta na internet, mas fui incapaz de, navegando pelo site da festa, achar o tal panfleto.
Segundo sinal: o mesmo site dizia que a festa era uma produção da equipe Casa da Matriz. Tenho problemas sérios com a Casa da Matriz. Toda vez que eu entrava na Casa da Matriz, coisas estranhas aconteciam, e eu sempre via fantasmas. Não entro mais na casa da Matriz. Mas, enfim, a festa não era na Casa da Matriz, então pensei que tudo ficaria bem...
Terceiro sinal: expediente escuso - na falta de filipeta, liguei para a assessora de imprensa da festa. A colega jornalista me disse que tentaria colocar meu nome na porta. Quando cheguei na porta, meu nome não estava lá. Paguei entrada integral.
Quarto sinal: o lugar era um navio pirata - freqüentado apenas por marujos barbados e portentosos canhões prontos para atirar. Quase dava para sentir o cheiro de pólvora. Eu tinha me esquecido de como a Lapa concentra gente feia. Me perdoe quem gosta: a Lapa até tem um certo estilo Lato Sensu. Mas concentra gente feia.
Quinto sinal: O DJ prometeu Black Music. Tocou um James Brown, e depois entrou numa viagem completamente pessoal de procurar a batida perfeita. DJs devem fazer esse tipo de busca sonora no recesso de seus lares, jamais ao vivo. A procura da batida perfeita quase sempre provoca o tédio alheio. Tudo que o público (eu) quer(o) é um set bem amarradinho e dançante. Não rolou.
Sexto sinal: Decepcionada, a galera resolveu ir para... a Casa da Matriz!

Deu para entender a minha noite de sexta-feira?

Uma nota de agradecimento ao casal Lê e Lelê, lindos afilhados matrimoniais deste humilde porém indignado escriba, que encontraram a força necessária - mesmo compartilhando o fracasso da incursão noturna - para oferecer apoio moral contra a frustração. E me deixaram em casa bonitinho, com planos de uma noite de dança real para breve. Quem tem amigos não fica na pista. Obrigado, crianças.

27.8.04

Subproduto de cacau

Eu sei, eu sei... grande perda de tempo. Já não bastasse eu inventar o tal do blog, agora vou começar a dar bola também para esses testes fajutos de internet?! Seria postura incondizente com meu já ocupado e sempre urgente cotidiano. Mas é que me pegaram num (raro) momento de folga. E nunca um questionário dessa natureza deu tão certo: acertou até meu apelido de infância...

I am Chocolate flavoured.
I am sweet and a little bit naughty. I am one of the few clinically proven aphrodisiacs. Sometimes I can seem a little hard, but show warmth and I soon melt.
What flavor are you?

Tenho a dizer em minha defesa, meritíssimo, que hoje é sexta-feira!

25.8.04

Dramatis Persona

Finalmente chegaram as fotos de "Sonho de uma Noite de Verão". Para quem não teve a chance de ver ao vivo, quatro pequenas amostras de quatro noites absolutamente mágicas, começando pelo primeiro encontro de Oberon e Titânia nas florestas de Atenas: discórdia entre o Rei das Sombras e a Rainha das Fadas...

Oberon encanta Titânia, observado pelo séquito de Fadas Negras: good boys go to heaven, bad boys take acting classes.

Com Puck, observando o resultado de mais uma confusão arquitetada pelo amigo e mensageiro - e pensando que, da próxima vez, vai acabar transformando esse duende tresloucado em um carvalho seco...

Encerrando a série - e a peça - Oberon sorri para abençoar a noite de Atenas.

Outras fotos no meu álbum do Orkut, se eu tiver paciência de fazer o dramático upload...

22.8.04

Eu adoro meu lado nerd

Esta é para quem gosta de Role Playing Games. Foi-me enviada pela Aline, que (talvez não) por acaso é atriz, e afeita ao bom e velho RPG. Clique na imagem para ler melhor. Quem joga sabe...

21.8.04

The end of the world as we know it

Sábado, cinco e treze da manhã. O sujeito chega em casa de uma noite de sexta-feira regada a tequila, na companhia de colegas de trabalho. Ele dançou até cair - e acreditem, o sujeito dificilmente cai pelo álcool, então só pode mesmo ter sido de tanto dançar. Satisfeito com a chegada do fim de semana, ele abre uma garrafa de vinho, e senta-se ao computador. Na cabeça, um monte de idéias. Mas as mãos não obedecem lá muito bem... Sono ou álcool, lidar com o teclado mostra-se exercício mais difícil que o de costume. O cara, afinal, começou seu dia às sete e vinte da manhã. Teve boas, ótimas notícias. Suou a camisa no trabalho, pra dar bom fechamento às suas tarefas da semana. Suou a camisa na academia porque, what the hell, é viciado em endorfina, e ninguém tem nada com isso. Suou a camisa na boite, e agora até quer dormir, mas está tão adrenado que a mente não deixa. O cara está feliz: encontrou, perdida na noite, a irmã de um sujeito que foi um dos primeiros namorados de uma das suas melhores amigas nos tempos da pré-adolescência.... deu pra entender? Enfim, não importa. Menina gente boa, papo bacana, e sem maldade. Sem maldade, pessoas torpes de mente suja! Hoje o cara saiu para ver gente, dançar, e descançar a cabeça. Só isso. Mas é sempre legal encontrar alguém que você não vê há séculos. Nas últimas semanas isso já aconteceu duas vezes: uma graças ao Orkut, e essa graças ao acaso... Não faz diferença. O sujeito volta pra casa. Está feliz. Seu projeto paralelo está andando. Ele sente que algumas portas estão começando a se abrir. O cara abre uma garrafa de vinho pra acompanhá-lo ao computador, porque bater na cama sem escrever é algo simplesmente impensável, hipótese nula neste momento. E, convenhamos, uma garrafa de vinho é instrumento de charme. E charme é indispensável. Momento. Momento. Duas taças. O notívago liga o som: CD de um musical de Brecht. Ele precisa aprender as letras, mas está sem voz. Foda-se. Ele também não vai falar com ninguém agora. Cada um tem um segredo que precisa esconder/ Mackie tem uma navalha que ninguém consegue ver. Fim da segunda taça. Terceira taça. O sujeito é Mackie Messer, também conhecido como Mac Navalha. Vai ser protagonista no musical. Definitivamente, foi uma manhã de boas notícias. Notícias, Central Brasileira de - Até segunda! Balada do Cafetão... Muito apropriada. Ou não. Nunca, eu disse nunca, tequila e vinho combinaram tão bem. E lá se vai a velha história de que não se deve misturar destilados e fermentados. Euforia. O cara nem está assim tão bêbado, entendam: se estivesse, seria impossível teclar. Mas alcoolizado ele está. Definitivamente. E quem se importa?! Tocaram R.E.M. esta noite. Melhor show de todos os tempos, Rock in Rio. Tudo de bom. It's the end of the world as we know it. E saibam: se o mundo acabar agora... I feel fine.

19.8.04

De súbito

Nem estava planejando atualizar hoje, mas algo bem legal aconteceu. Estava eu em casa, no meu intervalo de almoço antes de ir para o trabalho. Como de costume, rádio ligado. Enquanto passava em revista os blogs dos amigos e checava mails, Seal começou a cantar Prayer for the Dying. Já ouvi a música mais de mil vezes, nada de novo nisso. Mas hoje a letra me pareceu absolutamente pertinente e precisa. Me falou de um monte de coisas. Não vou dizer "tem tudo a ver com o momento que estou vivendo". Um porque isso seria mariquinha demais. E dois porque - geminiano volúvel - meus momentos mudam a cada... bem, momento, na falta de uma palavra melhor. Mas hoje, no meu intervalo de almoço, eu ouvi uma música que me levou a refletir sobre tudo e nada, ainda que por breves instantes, antes que a magia acabasse. Como eu sei melhor do que acreditar que a magia possa acabar, sejam quais forem as circunstâncias, achei fantástica a experiência.

"I'm crossing that bridge with lessons I've learned
I'm playing with fire and not getting burned
I may not know what you're going through
But time is the space between me and you
There is a light through that window
Hold on say yes, while people say no
(...)
'Cause life goes on
When nothing else matters"

- Seal, Prayer for the Dying

18.8.04

Para aliviar

Tá, Tá... então a fotógrafa não apareceu com as fotos. Isso já me deixou frustrado o suficiente. Quem sabe amanhã, ou não. Posto assim que receber, já estou irritado.

Piano bar no terraço de um hotel de luxo. Um yuppie bêbado se aproxima de um engravatado:
- Você sabia que esse hotel tem uma corrente de ar na altura do décimo-sexto andar que joga pra cima qualquer um que esteja caindo?
O terno, depois de um dia cansativo de reuniões, quer apenas tomar seu scotch em paz. Despacha o bebum:
- Por favor, meu amigo, onde já se viu isso?!
O torto insiste, e diz que vai provar. Cambaleia até a janela mais próxima e, antes que alguém possa agir para detê-lo, joga-se. O bar inteiro se coloca atento a sua queda.
...Vigésimo andar, décimo-nono, décimo-oitavo, décimo-sétimo, décimo-sexto, e miraculosamente o bêbado inicia uma trajetória ascendente, vindo a cair, prostrado, à beira da mesma janela de onde havia pulado. Euforia. O ébrio, rindo, exalando suores e hálito etílicos, dá um tapa desconfortavelmente forte no ombro do engravatado:
- Num ti falei, rapaixxxxx!!! - e arrota pina colada com blood mary, com boas doses de tequila.
Empolgado, o outro tira o paletó:
- Vou pular! Vou pular! - e pula.
...Vigésimo andar, décimo-nono, décimo-oitavo, décimo-sétimo, décimo-sexto, décimo-quinto, décimo-quarto, e lá se vai o sujeito. Segundos depois, ele é apenas uma massa disforme na calçada.
Um garçom puxa o bêbado pelo pescoço:
- Porra, super-homem, você quando bebe fica mau para caralho!!!

16.8.04

Tabula rasa

A frase é mais batida que face esquerda de mulher de malandro, mas nada define tão pontualmente bem o meu momento atual quanto um sonoríssimo "Eu odeio segunda-feira!". Nada de depressivo nisso, não me compreendam mal: o final de semana foi absolutamente sensacional, desde a festa de sexta à noite até o basquete de domingo. Tudo perfeito. Mas agora, o choque de realidade: tenho cinco dias úteis para fechar uma série (vejam, eu não disse uma, mas uma série) de reportagens especiais sobre as finanças do município. Assunto que não domino, e a parte da necessidade profissional, não me desperta o mínimo interesse - e não estou nem aí se vão me chamar de alienado. Nada de idéias criativas hoje para o Letras Mortas, porque minha preocupação está beirando a histeria. Se tudo der certo, pego amanhã - finalmente! - as fotos do Sonho de uma Noite de Verão, e faço por aqui a exposição da minha seminua figura dramática.
Eu odeio segunda-feira!

13.8.04

Solteiro no Rio de Janeiro

Fasa edits boot engine in command.com:
current status: single and sad (erase)

!!!SYSTEM MALFUNCTION!!!
...launching support wizard
night warrior application is now debugging
night warrior application is now running

dancing software updated
upload sussuros_ao_pe_do_ouvido ver. 2.6 by Fasa Audio Designs
sussuros_ao_pe_do_ouvido ver. 2.6 succesfully installed
/insert fueled_zippo_lighter in side pocket: fire mode is now hot
select interface template - crazy samurai/silent sniper: SS

(you may change these settings later in the OPTIONS menu)
/search mode on

save changes and exit? y/n: Y
.
.
.
The hunting season is now open.

E já não era sem tempo.

10.8.04

A Vitória da Gaivota

Não te vanglories sobre mim até que (eu) esteja morto.
Ao bradar sobre meu corpo teu triunfo violento,
Esteja atento a meu último movimento
Que vai usurpar-te o frágil, débil porto
Em que atracavas certo de meu não-cadáver.

E alçarei daí vôos tais de galhardia,
Que tua vista, embaçada de surpresa,
Julgará mágicos, heréticos e incríveis.
- A ti revelarão, de mim, a natureza:
Irredutível e inclemente, sem farsas e covardias.

Em provar-te, destarte, ascendida minha arte
Vou consumir-te em chamas de orgulho e ira;
E perceberás, já tarde na história,
Que inerte outrora, meu clamor já vibra
Rasgando tua vitória
Com a fúria da minha lira.

E tua mão resultará inútil
E teu gesto ensejará o nada
E teus olhos só verão o escuro
E tua boca quedará calada.

E se ao fim do dia, de cinzas eu manchar o verde prado,
A certeza ao inferno descerá contigo:

Sobre mim, a louvação do bravo;
Jamais a ignomínia do inimigo!

Hmmm... só uma brincadeira boba com o teclado enquanto estudo um texto. Título explícita e intencionalmente Tchekoviano: estive relendo "A Gaivota" recentemente. Espero que o russo não se revire no túmulo. Mas até que não ficou tão ruim.

9.8.04

O próximo passo

Já está definida a próxima incursão deste jovem ator em formação pelas sendas dramáticas: o espetáculo tem nome provisório de "Ensaio de Ópera", e é uma versão crua e livre de "A Ópera dos Três Vinténs", de Bertolt Brecht - que, para quem não sabe, foi a fonte na qual bebeu Chico para escrever "A Ópera do Malandro". A idéia da direção (entregue às mãos de Adriano Garib) é apresentar não o resultado, mas o processo, de forma que as encenações fiquem mesmo com cara de ensaios abertos. Vai ser uma luta contra o tempo e as (im)possibilidades técnicas, mas estou animado. É sempre assim no início de qualquer jornada. Dois meses é o que temos. E dois meses hão de ser o bastante. Merda!

7.8.04

A dor (?) que sente um amigo

A noite de sábado perdeu um pouco da graça, e eu acho que fiquei um pouco mais adulto, ou velho, sei lá. Voltando de um churrasco, recebi a notícia de que uma amiga, que já estava com pai desenganado, está com a mãe no CTI desde o início da semana. "Você jamais acreditaria que um raio pudesse cair duas vezes no mesmo lugar em tão pouco tempo" - ela me disse. Caiu. Tive perdas próximas e sérias na família quando criança, e a passagem de pessoas não me é estranha. Na minha linha de trabalho, você lida com isso até mais do que seria recomendável para a sanidade de um ser humano pretensamente normal. Mas nem o distanciamento profissional nem as perdas da infância me prepararam para o aperto no coração que senti quando recebi a notícia sobre os pais da Caloura de Olhos Verdes. Acho que, em um súbito momento, entendi o real significado da palavra "solidariedade". Nada de pena, compaixão, ou coisa do gênero. Apenas uma vontade de estar perto, de consolar, de acarinhar, de dizer "conta comigo". O possível foi fazer isso pelo telefone: o pai estava para chegar em casa do hospital. Os irmãos, distantes, estavam reunidos, e devem tentar, neste domingo, passar o dia dos pais da melhor maneira possível, curtindo o velho. Eu vou passar o dia dos pais sozinho. Darei um abraço apertado na minha mãe e, quem sabe, reunirei coragem para ser sensível, agradecendo-lhe por tudo e dizendo que a amo - há tempos não faço isso, acho que ela vai gostar. Depois talvez saia para jogar um basquete. Posso também chamar uma amiga bonita para ir ao cinema. Vou dar jeito de fazer alguma coisa "de homem". Meu pai se orgulharia disso. De noite, vou lembrar dele e, embora já não acredite tanto em rezas feitas, vou orar do meu jeito. Assim costuma ser meu dia dos pais há anos. E, pra falar a verdade, não dói. Quero muito que o da pequena também não doa. Que ela possa curtir muito, mas muito, o que - não gosto nem pensar, mas assim é a vida - pode ser o último que ela passa com o pai nesse plano. É curioso essa coisa de solidariedade e amizade entre... adultos (?) - você quase sente medo pelo que pode acontecer com outra pessoa... Sei lá. Aliás, tudo deve mesmo ser diferente depois que a gente cresce, mas até agora eu só tinha experimentado as festas de casamento. Letras Mortas está um pouco mais triste essa noite, e torcendo muito para não ficar de luto. E não importa o nome pelo qual você chama o Grande Arquiteto, ou as Forças de Regência: ore pela Menina Red Bull, porque ela não merece nunca, mas nunca, perder o sorriso - ou as asas.

5.8.04

O Hino Nacional e a mãe de uma amiga

Dia desses fui escalado para a cobertura jornalística de uma dessas cerimômias pretensamente importantes, em que tocam o Hino Nacional nem tanto por amor à pátria, e sim na tentativa de dar mais pompa à circunstância. Aconteceu de as fontes importantes falarem antes do início oficial do evento, e eu, repórter de rádio, resolvi ficar fora do salão principal - num espaço em que um coquetel ainda era servido - preparando um texto para entrar no ar enquanto, lá dentro, as margens plácidas do Ipiranga começavam a ouvir o brado retumbante de um povo heróico. Eis que, ao me ver sentado, bloco e caneta na mão, uma senhorinha começa a gesticular em desaprovação, indicando que eu deveria, por dever cívico, parar tudo o que estava fazendo e erguer-me em respeito à execução do Hino, que transcorria lá dentro. Odeio essas pessoas que falam através de pequenos gestos agitados. Aliás, odeio pequenos gestos. Até entendi a mensagem, mas pensei: "ora, não estou no salão do evento. Aqui fora, ainda tem gente comendo e bebendo, e essa mulher vai implicar comigo, que estou trabalhando?" - Ignorei a ilustríssima desconhecida. Não se dando por vencida, entretanto, identificou-me como repórter pelo adesivo no gravador, e interpelou-me:
- CBN, eu sei que você está trabalhando...
Odeio que se dirijam a mim dessa forma. Quando estou na rua a trabalho, uso crachá por uma questão de praticidade funcional, e o crachá tem meu nome. E meu nome não é "CBN". Interrompi-a de pronto, dizendo que estava de fato trabalhando, e retornei às anotações. Foi o que de mais educado me ocorreu fazer, sabendo que eu estava para passar do horário numa sexta à noite, e considerando que ela não estava exatamente pressionando os botões certos para me fazer sorrir. Diante da minha contida porém visível irritação, a senhora suspirou, soltou um "puxa vida" como quem se resigna em pseudo-conformismo ante a truculência alheia, e disse-me que era mãe de (...) "que trabalhou na CBN trezentos anos", imagino que comparando minha falta de cortesia à fina educação de sua cria. A filha da implicante é uma colega querida, por quem tenho muito carinho. A menção de seu nome acalmou-me o ânimo, levou-me a contar até dez, e evitou grosseria maior. Ocupei-me apenas em finalizar meu texto, enquanto o baluarte da cidadania em forma de mulher ia-se embora, em meneios negativos de cabeça. Pergunto aos leitores que me acompanharam até aqui: deveria eu ter derramado sobre a patriota palavras que refletissem a minha profunda paz interior naquele momento? Ou será que, estabelecida sua identidade como "mãe de amiga", agi corretamente em deixá-la escapar com os ouvidos impunes? Em circunstâncias como essa, Mãe de Amiga tem salvo-conduto?

3.8.04

Hamlet - Ato III, cena II

É bom para os atores, pois leva-nos a repensar a técnica. É bom para a Platéia, pois apura-lhe o olhar. Está encerrada a série de três posts sobre a experiência teatral, mas estejam certos de que o assunto será recorrente... A ver o que minha mente torpe e doentia vai inventar agora para garantir a manutenção criativa deste espaço.

Um salão no castelo. Entram Hamlet e alguns atores.

HAMLET: Tem a bondade de dizer aquele trecho do jeito que eu ensinei, com naturalidade. Se encheres a boca, como costumam fazer muitos dos nossos atores, preferiria ouvir meus versos recitados pelo pregoeiro público. Não te ponhas a serrar o ar com as mãos, desta maneira; sê temperado nos gestos, por que até mesmo na torrente e na tempestade - direi melhor - no turbilhão das paixões, é de mister moderação para torná-las maleáveis. Dói-me até ao fundo da alma ver um latagão de cabeleira reduzir a frangalhos uma paixão, a verdadeiros trapos, trovejar no ouvido dos assistentes, que, na maioria, só apreciam barulho e pantomima sem significado. Dá gana de açoitar o indivíduo que se põe a exagerar no papel de Termagante e que pretende ser mais Herodes do que ele próprio. Por favor, evita isso.

PRIMEIRO ATOR: Vossa Alteza pode ficar tranqüilo.

HAMLET: Também não é preciso ser mole demais; que a discrição te sirva de guia; acomoda o gesto à palavra e a palavra ao gesto, tendo sempre em mira não ultrapassar a modéstia da natureza, porque o exagero é contrário aos propósitos da representação, cuja finalidade sempre foi, e continuará sendo, como que apresentar o espelho à natureza; mostrando à virtude suas próprias feições, à ignomínia sua imagem e ao corpo e idade do tempo a impressão de sua forma. O exagero ou o descuido, no ato de representar, podem provocar riso aos ignorantes, mas causam enfado às pessoas judiciosas, cuja censura deve pesar mais em tua apreciação do que os aplausos de quantos enchem o teatro. Oh! Já vi serem calorosamente elogiados atores que, para falar com certa irreverência, nem na voz nem no porte mostravam nada de cristãos, ou de pagãos, ou de homens sequer, e que de tal forma rugiam e se pavoneavam, que eu ficava a imaginar terem sido eles criados por algum aprendiz da natureza, e pessimamente criados, tão abominável era a maneira por que imitavam a humanidade.

PRIMEIRO ATOR: Quero crer que entre nós tudo isso está bem modificado.

HAMLET: Faze uma reforma radical! Que os truões não digam mais do que aquilo que lhes compete, pois há deles que vão a ponto de rir, somente para provocarem riso aos parvos, até mesmo em passagens com algo merecedor de atenção. É sobremaneira vergonhoso revelar ambição estúpida por parte de quem se vale de semelhante recurso. Vai aprontar-te.

E três vivas para o Bardo inglês.

1.8.04

Fique registrado

O jovem filósofo contemporâneo acredita que ficar com amigas é doce experiência. O bejio quase sempre vem de forma inesperada, o que, convenhamos, é uma delícia. Importa pouco se aquele momento vai se repetir ou não; se alguém vai ligar no dia seguinte... Aconteça o que acontecer, você sabe que aquela mulher é uma pessoa querida, com quem você tem coisas em comum, e por uma noite isso é o que vale. E para completar: quando acontece comigo, há sempre música, carinho autêntico, resquícios de inocência e um sorriso maroto de curiosidade saciada. Precisa mais?

O Palco, sem a Platéia

Qualquer ator que entre no Palco e veja apenas um Palco está errado. Estive essa semana na Casa das Artes de Laranjeiras, renovando minha matrícula para mais um semestre de aprendizado dramático. Com a escola vazia, fiz questão de visitar o espaço Yan Michalski, onde recentemente estive em cartaz com Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare. Cenário desmontado, refletores ausentes e cadeiras vazias, vi-me a repetir um exercício que fiz antes da estréia e depois do último espetáculo. Vaguei pelo espaço com as mãos abertas, num quase carinho em chão e paredes, como que esperando que madeira e concreto frios me dissessem algo. Há poucos dias, havia ainda uma floresta naquela sala. Ela respirava, viva, em juta, folhas secas e flores de plástico, sob os focos verdes. Privada dos adereços, a sala me trouxe ecos das apresentações: as reminiscências da Platéia, os espectros de atores e atrizes em movimento frenético e paradoxalmente silencioso na coxia, a excitação explícita de quem estava em cena. O Palco, que parecia dormir, aqueceu-me o espírito com vibrações ressonantes do que foi, e profecias desencontradas do porvir. Ao longe ouvia mantras fonoaudiológicos. Na sala de cima, os estudantes de um curso de férias faziam uma aula de voz. Talvez tenham sido eles os responsáveis pela impressão de audio tribal que experimentei, lembrando-me das aulas de improvisação que tive naquele mesmo espaço, ao longo do último ano. Um Palco, por certo, nunca é só um Palco. Ele aquece e vibra, mesmo em estado latente. Quem tiver olhos, veja. Quem tiver ouvidos, ouça.