22.9.11

A flor do deserto

O velho amigo Christopher Klein se pergunta por que diabos a presidente Dilma Rousseff abriu a plenária da ONU dando apoio à inclusão do Estado Palestino nos fóruns de esquina da 1ª Avenida com a Rua 44 em Nova Iorque. Ele desconfia que o governo brasileiro esteja marcando uma posição anti-americana. É. Pode ser. Não serei eu a dizer categoricamente que sim nem que não. Mas...

Do início: a presidente brasileira sagrou-se nesta quarta-feira a primeira mulher a proferir o discurso de abertura da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas. Há décadas a tarefa de abrir a UNGA recai sobre um representante da nossa República, então seria de se esperar que, mais dia menos dia, assim que tivéssemos um chefe de Estado do sexo feminino, seria dela esta honraria. Mas vá lá: é motivo de orgulho. Por mais que eu tenha minhas reservas e divergências quanto a Sra. Rousseff, e pense que essa grande conquista seja tão-somente simbólica e efetivamente inócua, por que não, uma vez que seja, indulgenciar a dama do Planalto? “É o século das mulheres” ela disse. E nisso tem razão.

...De véspera Dilma já ouvira de Hillary Clinton um gracejo: “É bom ver que pelo menos uma de nós de tornou presidente”. Teve menos glamour e não rendeu tanto noticiário quanto Obama dizendo que Luis Inácio era “o cara”. Mas cada um recebe dos Yankees o tapinha nas costas que merece. Clinton não é Obama, mas também... Rousseff não é Lula.

Isto posto, tergiversemos sobre o sempre presente conflito entre Israelenses e Palestinos: acredito que Dilma fez o que devia – ou podia – fazer ao sugerir a inclusão do Estado Palestino na ONU. E foi só isso: a arte do possível. Agora vejam bem: eu estou muito, muito longe mesmo de ser um especialista em Oriente Médio, e minha superficial análise vem da leitura do noticiário e uma módica colher de chá de pensamento crítico. Se alguém mais estudado no assunto vier a jogar outra luz sobre o tema, eu serei o primeiro a ouvir ou ler com atenção, professando minha quase completa ignorância sobre as tramas políticas e religiosas daquela parte do planeta.

- Seria no mínimo... embaraçoso para a chefe de Estado brasileira não expressar qualquer opinião sobre o pleito de reconhecimento Palestino, um assunto que, espera-se, venha a ter bastante espaço nesta Assembléia Geral. E eu apostaria que muitos países apoiarão tal pleito.

O fato é que Benjamin Netanyahu, o primeiro ministro de Israel, foi pouco hábil em avaliar as conseqüências da Primavera Árabe e traçar um plano de ação que viesse a garantir a manutenção de uma linha de apoio regional, tênua que fosse, a seu governo e país. Quando a ditadura de Hosni Mubarak caiu no Egito, perdeu-se um importante aliado. A instabilidade na Síria não ajuda muito, e menos ainda a lembrança do triste incidente ocorrido em maio do ano passado, quando cidadãos turcos foram
mortos por soldados israelenses ao tentar forçar a passagem de uma flotilha de ajuda humanitária destinada a Gaza. Agora o governo Turco capitaliza sobre o episódio num momento em que, a torto e direito, embaixadores israelenses em países do Oriente Médio estão sendo mandados de volta para casa.

O governo de Israel está isolado. Na região por sua própria falta de visão, e domesticamente porque agora Inês é morta, e se Netanyahu demonstrar qualquer fraqueza pode ter sua liderança minada pelo ministro de Relações Exteriores Avigdor Lieberman – homem de extrema direita que, a julgar pelo que leio, não tem lá muito interesse em concessões e diálogo com os palestinos.

E assim o aparente consenso em voltar as costas para Jerusalém vem menos de uma afinidade dos novos governos de transição com a Autoridade Palestina, e mais da inaptidão Israelense em perceber que uma pedra fora jogada ao lago no mundo árabe, e ondas viriam; e seria preciso fazer algo a respeito. O quê, exatamente, eu jamais saberia dizer.

Mas se Bibi, como o chamam, é refém, também o é Barack Obama. O Executivo dos Estados Unidos há de ter plena noção de que um veto sobre o reconhecimento de um Estado Palestino será desastroso para os interesses do país naquela região, mas o lobby judaico no Capitólio é fortíssimo, e com a popularidade já abalada, o presidente não pode se dar ao luxo de ignorá-lo, sob sério risco chegar mancando às eleições do ano que vem. Assim, os Estados Unidos seguem ao lado de Israel, e seja o que Deus quiser - seja lá qual for a fé que se professe...

Tudo isso pra dizer que, quanto mais tento entender essa tal de diplomacia, mais respeito e admiração tenho pelos estudiosos do assunto, porque trata-se realmente de desatar nós. De buscar saídas para sinucas de bico.

E finalmente de volta à pergunta do amigo beneditino (que, vamos deixar claro, não foi a mim direcionada, mas ainda assim me levou à reflexão): bem... a presidente Dilma tinha que dizer alguma coisa, não é mesmo? E a essa altura eu até acho que apoiar o Estado Palestino não chega a ser uma postura tão anti-americana assim, quando a própria Casa Branca mantém-se ao lado de Israel num vão e desesperado esforço para ganhar tempo e apaziguar os ânimos no Congresso. É lógico – e já que estamos falando de sinucas de bico – isso não vai nos render favores estadunidenses quanto à nossa própria demanda por um assento permanente no Conselho de Segurança. Mas, ora bolas, é fato também que para ocupar um lugar neste mesmo fórum, uma nação tem que tomar decisões e assumir suas conseqüências, por vezes não tão populares, diante da comunidade internacional. Neste sentido, penso que a posição da líder brasileira diante da Assembléia Geral ainda foi mais digna do que tímido voto de não-intervenção que apresentamos no UNSC enquanto Khaddaffi usava a própria Força Área para bombardear civis na Líbia.

...Continuo não enxergando uma solução de curto prazo para todo esse imbróglio. Levei quase duas horas tentando organizar meus pensamentos, mas não cheguei a uma opinião clara, salvo, novamente, dizer que Dilma fez o que podia, e mais até do que eu esperava. E não acredito que a flor da paz entre israelenses e palestinos brotará do asfalto em Manhattan. Esta é uma flor do deserto. E, portanto, não se enganem: se e quando brotar, terá espinhos no lugar de pétalas.

Um comentário:

Mauricio Santoro disse...

Salve, meu caro.

Como o Brasil sempre abre a AGNU, a tradição é que o discurso brasileiro aborde os principais temas da pauta internacional. Que hoje, são a crise econômica, a Primavera Árabe e a questão palestina.

O Brasil tem uma posição muito sólida na defesa dos dois Estados (Israel e Palestina) e presidia a AGNU quando a ONU aprovou a partilha da região, há mais de 60 anos. Além disso, o Brasil é um dos 116 países (entre 193 que compõem a ONU) que já reconhece a Palestina como Estado. Fora os enormes interesses econômicos e políticos junto aos árabes, de modo que fazia todo o sentido o apoio. Dilma agiu bem nesse aspecto.

Os EUA estão numa posição muito difícil no tema, por conta da influência dos grupos pró-Israel em sua política doméstica, assim como a Alemanha (ainda a saia justa da culpa pelo Holocausto) mas a União Européia se dividiu, com a França falando duro em defesa da Palestina, e seus diplomatas ajudando a redigir a resolução em defesa do reconhecimento do Estado. Vêm mais emoções por aí.

abraços