27.12.04

O ataque do presente curinga

Sinceramente não sei porque insisto em participar de amigos ocultos. Desde pequeno, foram poucas as atividades afins nas quais tomei parte sem ficar no prejuízo. Na escola primária, a brincadeira era obrigatória, acho que para despertar o espírito de solidariedade e integração. Eu, o único pretinho da sala, filho da classe média esforçada, dava sempre um presente bacana e recebia um carrinho de quinta oferecido com desdém por algum fidalgo da alta sociedade. É realmente curioso que, já não sendo obrigado a fazer nada que não queira na vida, eu ainda persista. Acho que fico sem graça de dizer para os amigos que a idéia toda não me agrada... E é verdade, não me agrada mesmo. Nunca agradou. Não consigo me lembrar de uma vez sequer em que tenha saído realmente satisfeito. Bem, teve uma menina que me deu um livro de estereogramas do Kama-sutra. Foi sugestivo, original, mas eu não usei com ela. Aliás, acabei não usando com ninguém e, depois de tantos anos e já tendo perdido o contato com a referida, posso confessar que nunca na minha vida conseguir ver um maldito estereograma (...) Por que fazem listas de sugestões, se as pessoas acabam comprando presentes a Bangu?! Para não falar no absoluto terror dos chamados presentes curingas. Há alguns anos, na faculdade, um amigo ganhou um peso de papel, desses em forma de cubo plástico que você encontra em qualquer papelaria de esquina. Era o presente curinga do agregado de uma menina da turma. O engraçado não conhecia ninguém, comprou qualquer coisa e pronto. Eu, esse ano, queria ganhar um livro. Coloquei também alguns CDs na lista de sugestões só pra não correr o risco. Mas a tal inovação tecnológica do sorteio eletrônico - coisa muito chique - caiu vítima de um arranjo astral controverso e, em meio à fragmentação de dados num lapso crítico de armazenamento e fluxo de informações, esqueceu de avisar sobre minha existência a quem deveria me regalar no toma lá dá cá. Resultado: presente curinga. Voltei para casa com um mini-castiçal em que poderei queimar as velas que não acendo, e um lindo porta-fotos para substituir o feio mural que não tenho na parede do meu quarto. O pior é que o sujeito-meu-amigo-oculto nem se dignou a enfrentar o constrangimento pessoalmente: estava de plantão. Mandou o presente pela esposa, que passou o resto da noite me abordando com aquele sorriso quase amarelo, perguntando se eu tinha mesmo gostado, e dizendo que eu poderia trocar tudo se quisesse. Mas acho que no final ela se convenceu de que eu estava satisfeito. As aulas de teatro devem estar mesmo funcionando.

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