20.8.07

O Reverso

Confesso não me lembrar que ocasião me levou a voar para Congonhas pela primeira vez. Talvez alguma cobertura jornalística. Já lá se vão anos, mas o que me lembro, o que trago gravado na memória, foi o temor que senti ao perceber que o avião mergulhava em um mar de edifícios, e que qualquer deslize do piloto poderia ser fatal.
Que aeroportos encravados no meio de áreas densamente urbanizadas – especialmente as de alto gabarito – são potencialmente mais perigosos é ponto pacífico, não se discute. É também verdade que a maioria dos terminais nessa situação viram cidades crescerem desordenadamente à sua volta, por inapetência governamental em todas as esferas.
Seja como for, toda a racionalização sobre quem é ou deixa de ser responsável pelas atuais agruras de Cogonhas, ou mesmo o mórbido consolo de que as chances de um novo acidente ocorrer em intervalo de tempo tão pequeno após o choque do vôo 3054 eram estatísticamente mínimas, valeram pouco quando o comandante anunciou que estava iniciando os procedimentos de pouso. Eu estava com medo.
Hora de desfazer o que talvez seja uma impressão equivocada: eu nunca tive medo de voar. Aliás, quando criança, eu adorava. Com o passar do tempo e os efeitos hormonais da adolescência, passei a reclamar da falta de espaço. Mas medo, nunca tive.
Até hoje.
Pouco me tranqüilizaram o tempo ensolarado e a pista seca. Quando o avião tocou o solo, me peguei vigiando o reverso da turbina ansiosamente, repetindo sem voz um mantra aeronáutico de humilde autoria mas de sagaz e arguta riqueza em sua simplicidade: “arma, arma, arma, arma!” A isto foi reduzido o Samba do Avião, cheguei a pensar. O que diria Tom Jobim a respeito? O reverso armou. Eu me persignei e levantei-me para sair apressadamente. O que também é uma mudança de comportamento, já que normalmente espero que todos saiam para o evitar o sempre irritante engarrafamento no corredor.
Houvesse alternativa, eu teria vindo para São Paulo de ônibus. Infelizmente, a viagem foi decidida em regime de urgência, e tempo não foi um luxo viável.
Cheguei, enfim, são e salvo. Mas o vôo de hoje definitivamente não entrará na minha lista de melhores experiências. Fica reforçada, pelo que vale, a lição da mamãe: pensamento e atitute positivos podem reverter qualquer situação adversa, dizia ela, na época em que eu ainda vivia agarrado às suas barras. E é verdade: o reverso armou.

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