15.2.05

País de Oz (Dorothy não está no Kansas)

Mataram uma missionária no Pará. Algo a ver com conflitos por pedaços de chão que possivelmente servirão apenas para exploração de madeira ou lavouras inférteis. Aliás, mataram não é o termo mais adequado: executaram. Chocante. Ou, talvez, nem tanto. No Rio (ou em qualquer metrópole) os óbitos são diários, às dezenas, na guerra do tráfico. Mas o nosso cotidiano urbano de violência nutre a ilusão de um ruralismo de paz bucólica. Mentira. A morte de Dorothy Stang é emblemática: o retrato ampliado do que ainda é a base do extrativismo e do chamado agrobusiness no nosso país: ocupações, militância armada e por vezes inconseqüente, denúnicias de trabalho escravo em fazendas de ilustres deputados. E o campo é ainda responsável pela maioria esmagadora das exportações brasileiras... deu para entender? - Nós ainda somos um país movido a sangue de pretos e pobres. Os números importam pouco: a maioria desses ninguéns não tem nome, não vira sequer estatística. Nascem incógnitos, morrem calados. E é preciso que alguém atire na cabeça de uma freirinha simpática (estrangeira!) para que o governo resolva montar uma força tarefa federal - não para investigar os coronéis por trás das armas, mas para prender os culpados rasos dessa única morte: sempre os mandados, quase nunca os mandantes. Mas Dorothy, pelo menos, tinha um nome ao morrer. Bom (?!) para ela. Agora é torcer para que o Bush não resolva usá-la como um símbolo do dever americano de intervir na região amazônica pelo bem maior do planeta. - Não. pensando bem, eles não vão fazer isso (...) Quem já teve a chance de conversar sobre política comigo sabe que, na minha opinão, falta no currículo histórico da nação um episódio autêntico de guerra civil. Aberta e declarada, dessas com o potencial de fragmentar a nossa geografia continental. Assim, talvez, aprendêssemos a dar valor ao chão que temos. E a nós mesmos. E talvez o sangue se tornasse uma moeda de troca mais cara. Ou, quem sabe, num cenário ideal, deixasse de ser uma moeda em absoluto. Mas do jeito que estão as coisas, os homens de fuzil jogam no lixo a ordem urbana, e os pistoleiros de tocaia oprimem os desdentados do campo. Covardia de todos. A culpa não é "da sociedade". A culpa é cada um e de todos, que fechamos os olhos diante da ilusão de um Estado Democrático de Direito. Democrático?! Onde está o poder do povo? Piada. Enquanto isso, os senhores parlamentares cantam o Hino Nacional para saudar o novo presidente da Câmara. Desta vez o rolo compressor do PT deu defeito. É a elevação do baixo clero. Todo o poder a Severino! Tem nome de pobre, discurso de pobre, e bate no peito para dizer que não tem diploma universitário... virou moda fazer isso em Brasília. Mas atenção!! - Há várias eleições disputa o cargo tendo como principal promessa de campanha aumentar os salários de seus pares. E o que resta para nós? A fácil previsão de um ano eleitoral desgovernado, com Executivo e Legislativo em conflito. Nada vai andar no Planalto sem conversas privadas não oficiais e malas pretas apócrifas chegando aos gabinetes. Mas a imagem de um plenário cheio de deputados - aqueles mesmos que têm fazendas movidas a trabalho escravo - cantando Ouviram do Ipiranga sempre fica bonita na TV. Quase gera a ilusão de freios e pêndulos bem ajustados. Quase. Há momentos em que é fácil olhar para o Brasil e perder a esperança. E por mais que eu procure, não consigo encontrar a maldita estrada de tijolos amarelos.

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