14.5.08

Idiossincrasia

Só tenho a oferecer-te quem sou:
Esta mão pesada e rude
Este presunçoso olhar distante,
Esta vil flutuação de humores,
Esta rotina de negação e fuga.
Que pintura pobre sobre ordinário motivo!
- Carregaram nas tintas, fizeram-me superlativo
Resultou rasa tela, este nada sem talento crível
Mar em fúria, terremoto, tempestade;
Eu sou à espreita, um desastre
Eu, mania de devastação
Eu, desmedido orgulho
Eu, a imprevisibilidade.
A mim os sujos andarilhos e rotos marinheiros!
Os servis trôpegos em desesperança,
Os bêbados sem consolo a quem sumir apenas resta.
A mim as desgraçadas que em si não estão plenas
E buscam tão-só o flagelo como medida de piedade!
Em mim não há alento
Em mim não há felicidade
O meu banquete é de lamento e agruras.
Tu comerás só, eu a fitar-te
E ao final quererás, saciada de nada, deleitar-me:
Eu, sexo bruto e incendiário
Eu, paixão enganosa
Eu, esta vontade de consumir-te no ímpeto de deixar-te.
Se pensas em afeiçoar-te, meu conselho:
Afasta-te!
- Ou resgata-me de mim, que estou cansado...
Exausto da verborragia,
Saturado da auto-imagem
Vexado do eu ideal
E perdido entre os outros que me habitam.
Decifra-me ou devoro-te
Pois só tenho a oferecer-te quem sou
E quem sou não é muito, é pequeno, é banal
...Mas se ainda me quiseres, toma-me.
Se não, caminha
E deixa-me com minhas dores,
Minha torpe idiossincrasia.

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