30.7.04

O Palco e a Platéia

Qualquer ator que entre no Palco e veja apenas um Palco está errado. Nada define a sensação de estar em cena num teatro cheio. Nada. Mas eu, por teimosia, me aventuro a fazer análise do que é síntese. Atuar é uma forma absolutamente improvável de exercer controle sem violência. Resumidamente, é o fetiche ideal. Mas desmitificando (se é que isso é possível): não, o ator não é possuído pelo personagem. A relação é uma que pode chegar à simbiose, jamais à posse de um ou possessão de outro. Cada uma das camadas de fantasia deve estar baseada em fundamentos sólidos lançados pelo intérprete, que há de manter-se como o mestre discreto dos fantoches. A não conformidade leva ao risco de flerte com a esquizofrenia, que é improdutiva em cena aberta, e também na vida. Não, o ator não é um animal estritamente emocional. Se o fosse, encolher-se-ia acuado em pavor instintivo ao perceber que está sendo observado por seres estranhos em maior número. A coragem de atuar é, até certo ponto, racional, e provém de dedicação uterina ao trabalho, além de objetivos bem definidos a serem alcançados em cada unidade cênica que se apresenta. O proscênio iluminado deve sempre ser visto como um desafio, nunca como um convite. Só assim é possível criar. E, mesmo partindo de um texto dado, a função do ator é autoral ao extremo. Sem criatividade, nada acontece na ribalta. E só com razão e emoção caminhando juntas - não necessariamente na mesma medida, mas juntas, sem prejuízo excludente uma da outra - é possível entorpecer-se a ponto de perceber a Platéia, sem dintinguir claramente seus rostos, e saber que tudo, desde a iluminação até a mosca que interrompe um eventual silêncio, tudo serve para alimentar a viagem. Só assim o ar atinge densidade tal em que a tensão cênica pode ser cortada em nacos por quem detém as ferramentas próprias, fervendo o sangue dos convivas que se lançam no mergulho de fé que é o teatro, seja no Palco ou na Platéia. Só assim vale a pena fazer. E sim, Platéia se escreve com maiúscula, porque sem ela nada disso seria possível - ou teria graça. Palco se escreve com maiúscula, porque um Palco nunca é apenas um Palco. Ator, por modéstia, só se grafa com letras capitais em início de frase e, mesmo assim, só por obediência à Gramática.

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