29.9.04

Taxi Driver

Entro no táxi para ir a uma festa. O bigode denuncia o motorista antes mesmo que ele fale: trata-se de um daqueles portugas tradicionais. A imaginação já desenha-lhe um cotoco de lápis atrás da orelha. Quando o condutor de fato abre a boca, suas palavras ecoam lapidares e definitivas no interior do carro, com irretocável sotaque d'além mar: "Mulher é foda!". Não falar nada parece-me deselegante e pouco educado. "De fato - replico eu - mulher é foda". O sujeito passa então a discorrer sobre como teve dores de cabeça intermináveis com as duas ex-esposas, a última das quais o persegue até hoje atrás de bens que ele foi obrigado a passar para o nome de outros membros da família, entre irmãos e primos, para não dividir com a antiga consorte. "O homem acha que é malandro - prossegue ele - mas quando a mulher quer acabar contigo, não tem pra ninguém. Ela ataca a sua dignidade, amigo". E ele não pára, não pára nunca. Fala sozinho, mas parece absolutamente resoluto a provar-me por a mais b que mulher é foda. Praia de Copacabana, quase final da viagem. Eu, a essa altura dos acontecimentos já desistindo da máscara de dignidade, rendo-me: "Pois veja, senhor, quem gosta de homem é viado. Mulher gosta mesmo é de dinheiro" O sorriso do cara se ilumina. Ele parece abstrair-se até mesmo da direção. Por alguns instantes, preocupo-me com o risco de uma possível colisão. O português quase larga o volante. Se vira pra mim e diz: "É ISSO!!!" e finalmente cala-se.
Chega um momento em que as palavras resultam inúteis. Dispensáveis.
Mulher é foda.

(...)
Ah! Sobre a festa?! - Joãozinho Caminhador andejava a passos largos pelo salão. Keep Walking.

28.9.04

Sobre fins e inícios

A vantagem de se acreditar que a vida vem em ciclos é que, apesar de ser segunda-feira, você pode aproveitar o início de toda e qualquer nova revolução como uma desculpa para tentar melhorar seu estado de espírito. Foi uma noite febril - provavelmente somatizando o fim de semana - e a voz está mesmo iniciando uma trajetória descendente, mas ao menos o humor melhorou... Finalmente consegui fazer minha catarse na academia, e isso faz toda uma diferença. Você não adora a Senhorita Endorfina? Amor da minha vida. Eu não vivo sem ela. Aos amigos que deixaram palavras de carinho, muito obrigado. Vocês são o que há. Festa na terça promovida por uma grande empresa de bebidas para os jornalistas cariocas. Vai ser pra dançar até cair, sem pensar nas conseqüências, ou sequer na quarta-feira.
Increase da Peace.

26.9.04

Por que eu odeio o mundo neste momento...

Um amigo de boas farras adolescentes foi morto na madrugada de sexta-feira com dois tiros na cabeça durante uma estúpida tentativa de assalto. Eu recebi a notícia pouco antes de ter que veiculá-la no ar, começando o plantão de sábado. O mesmo plantão me impediu de ir ao velório e ao enterro, apressados pela família. Por conta do episódio, uma amiga com quem não falava há séculos me ligou para conversar. Foi um horror ouví-la tão arrasada. Passei o domingo de sol na rádio, mesmo sem ter programa para apresentar, por causa da transmissão de futebol. Apesar da impressão de ter coçado as bolas o dia inteiro enquanto poderia estar curtindo uma tarde linda de praia, uma questão puramente burocrática me prendeu na emissora por mais de três horas além do meu horário de saída. Por causa disso, não consegui malhar. E, cara, eu queria - eu precisava malhar neste domingo. Aliás, ainda estou teclando da rádio: morrendo de fome, e não sei se vou conseguir pegar sequer um cinema ao sair daqui. Estou um caco. Cansado, de péssimo humor, puto da minha vida, e tendencialmente homicida. Para completar, amanhã é segunda-feira, e eu sei que estou ficando gripado. Já sinto minha voz falhar. Só comente esse post se for para dizer o quanto você me ama, e quão indispensável eu sou na sua vida. Caso contrário, vá se foder, antes que eu me esqueça.
Vaya con Diós, Acrísio!
Letras Mortas está de luto.

23.9.04

Foi mais forte do que eu

Mil perdões... Eu fui fraco. Não resisti.

21.9.04

Meninos, eu vi!

Por favor, sem esse papo de preconceito. Quem me conhece sabe que minha heterossexualidade não é homofóbica, então atenhamo-nos à análise estética e profissional da coisa: fui ontem cobrir uma cerimônia promovida pela Fundação Getúlio Vargas, em que estavam, além das óbvias dúzias de economistas e empresários, dois ministros da República. Não vou citar nomes para evitar possíveis constrangimentos, mas lá estava um colega jornalista com a gravata... cor-de-rosa! E não um rosa bebê ou cor-de-burro-quando-foge, mas rosa, ROSA MESMO! A coisa toda me pareceu um tanto insólita, estranha, sei lá... Trabalho numa redação em que existe um código tácito de vestuário - as mulheres não trabalham com a barriga pra fora, os homens não podem usar camiseta, essas coisas. Mas até a parte disso, acredito que certos limites são necessários quando se tenta estabelecer relações profissionais. Adoro combinar moleton e camisa social, mas não vou trabalhar assim, né? Enfim, fica a pergunta: você acredita num jornalista de gravata cor-de-rosa? Arranha a imagem de credibilidade? Ou será que estou sendo muito rígido? Acho que estou ficando velho...

17.9.04

Minha Imortal

Ando vendo fantasmas...
My Immortal - Evanescence

I'm so tired of being here
Supressed by all my childish fears
And if you have to leave
I wish that you would just leave
Cause your presence still lingers here
And it won't leave me alone


These wounds won't seem to heal
This pain is just too real
There's just too much that time can not erase


When you cried I'd wipe away all of your tears
When you'd scream I'd fight away all of your fears
And I held your hand through all of these years
But you still have all of me


You used to captivate me by your resonating light
Now I'm bound by the life you left behind
Your face it haunts my once pleasant dreams
Your voice it chased away all the sanity in me


These wounds won't seem to heal
This pain is just too real
There's just too much that time can not erase


When you cried I'd wipe away all of your tears
When you'd scream I'd fight away all of your fears
And I held your hand through all of these years
But you still have all of me


I've tried so hard to tell myself that you're gone
But though you're still with me
I've been alone all along

16.9.04

I just wanna walk right out of this world...

John Cummings morreu nesta quarta-feira. Quem foi John Cummings?! - O Rock perdeu Johnny Ramone. O guitarrista de uma das principais bandas do cenário punk mundial morreu aos 55 anos em Los Angeles, depois de cinco invernos lutando contra um câncer de próstata. Há quem diga que os Ramones começaram bem, mas se tornaram comerciais no decorrer do período. Eu digo que os Ramones são um ícone. O movimento punk como um todo foi marcado pela inserção de suas bandas e álbuns na grande indústria fonográfica, e não há muito como negar isso. Então, se é assim, God Save the Ramones. Sex Pistols, The Clash - you name it - todos venderam cópias e cópias de LPs, e fizeram dinheiro tanto para músicos (?!) quanto para os chamados "diretores artísticos" ou "de criação". Os Sex Pistols, por exemplo, nasceram da inventividade e do senso de oportunidade de um certo Malcolm McLaren, que viu por onde juntar Johnny Rotten, Sid Vicious, Glen Matlock, Steve Jones e Paul Cook num projeto que ele acreditava que daria certo. Deu. As letras falavam de Anarquia, Rotten gostava de cuspir nas pessoas - o que também é uma lenda, porque ele não tinha esse hábito, apenas cuspia com freqüência, mas não nos outros - e os palcos eram sujos. Mas nada foi mais mainstream que o punk dos Sex Pistols. Eles foram uma boys' band com atitude. Sendo assim, nada de desmerecer os Ramones, por favor. Músicas como Blitzkrieg Bop, I Wanna Be Sedated, I Believe in Miracles, Sheena is a Punk Rocker, entre outras tantas, marcaram uma época e uma geração. Você pode até não estar ligando os títulos, mas certamente já ouviu... e gostou. Mesmo as meninas puras, que poderiam dizer "Eu, hein?! Pára com essa história de punk - gente rasgada e mulambenta - nunca gostei!" - cantaram Psycho Therapy quando aqueles cabeludos afetados do Skid Row regravaram a música. Cantaram que eu sei, não adianta mentir! (...) Enfim, tudo isso para lamentar a morte de Johnny Ramone. E não confundam as coisas: comigo não tem essa de endeusamentos e que tais. Aliás, parando para pensar, me considero um sujeito sem ídolos - e sequer aceito o rótulo de Geração X, obrigado. Acontece que eu curtia Ramones. Já andei muito por aí de calça rasgada, com anéis de caveiras em todos os dedos, balançando a cabeça ao som de punk rock comercial honesto. Tive uma adolescência feliz e produtiva, com ótima trilha sonora. E posso dizer: era bem melhor do que o comercial que nos servem hoje em dia. John Cummings foi cremado nesta quinta-feira. Vai ver tinha medo de ser enterrado num Pet Sematary... Vaya con Diós, Johnny!

14.9.04

Quem diria...

Mesmo contando apenas com meia-dúzia de três ou quatro leitores assíduos - ou, ao menos, assíduos e manifestantes - Letras Mortas rompeu nesta terça-feira a barreira psicológica de 1000 visitas. Grande coisa... como se um blog rompendo alguma marca contábil pudesse fazer diferença no cenário macro-econômico nacional! Aliás, convenhamos: por mais esnobe e ególatra que seja o autor, falar em barreira psicológica para um espaço de catarse internética estritamente pessoal - como se ele fosse tão importante quanto a cotação do dólar ou a flutuação do risco-país - já é exagero... como diria Miguel Falabella: há limites!
Mas a verdade é que me viciei nesse troço. Talvez (e muito provavelmente) pela absoluta liberdade de redação, algo que vinha procurando há tempos. Em Letras Mortas o editor sou eu, e a ordem é não editar. Assim sendo, obrigado a todos que passaram e continuam passando por aqui. Pax Vobiscum, e voltem sempre! Mais importante: voltem logo!
(...)
Arghhh! Que piegas... Reparem não: o jovem filósofo contemporâneo está feliz e todo bobo.

11.9.04

Gestão pelo medo

Se você ainda não viu "A Vila", sugiro que não leia esse post. Sugiro também que você vá ao cinema.

O filme "A Vila" reforçou minha posição como fã de M. Night Shyamalan. O final, tão citado nos cartazes, nem me surpreendeu tanto. Supreendeu-me sim a séria reflexão proposta sobre um tema que está muito presente em nossas vidas. Ao que muitos, depois de lerem as críticas e assistirem ao filme dirão: o medo. A que eu respondo: também. Porém mais do que simplesmente o medo, o filme me levou a pensar sobre o medo como ferramenta de controle político. Penso que existem várias maneiras de exercer liderança. O exemplo é a mais legítima e virtuosa de todas, mas anda em falta. Infelizmente, dinheiro, teocracia e medo são, acredito, as mais presentes em nossos dias. Sobre o poder financeiro não preciso falar muito. Alguns vão chamar-me de teórico da conspiração, mas quero crer que ninguém é ingênuo a ponto de duvidar da força da grana que ergue e destrói coisas belas - já dizia Caetano. Vivemos o capitalismo, não há muito como fugir disso em uma escala global. Eu ao menos não vislumbro alternativas práticas de sistema. O dinheiro faz prefeitos, governadores e presidentes. O dinheiro lidera. Ponto. A teocracia é outro mal do nosso mundo. Parece confortável afirmar que escapamos da Idade das Trevas, mas é preciso abrir os olhos. Pessoas estão matando e morrendo em Guerras Santas - a terminologia bélica sequer foi alterada daqueles tempos para cá - e bem aqui pertinho, no Brasil, a Igreja Universal e outros grupos evangélicos estão ocupando espaço político cada vez maior. Nada contra a Igreja Universal se você realmente acredita. Todo homem, dizem, precisa de uma crença. Mas misturar fé e política raramente traz resultados positivos. E isso vale para todos os lados. Respeito João Paulo II como grande estadista, mas acho que ele deveria ter ficado mais tempo no Vaticano ao longo de seu pontificado. Respeito Ariel Sharon e Yasser Arafat, mas vejam só aquela bagunça... Isso, entretanto, é outra discussão. O que realmente quero dizer aqui é: talvez a liderança pelo medo seja a mais danosa de todas. Ela é cega, não permite discussões, e quase sempre sobrevive a base de mentiras e simulacros. É a mais opressora forma de exercer poder, porque trata de dobrar o espírito dos que se sujeitam a ela, erradicando qualquer forma de discussão que pudesse mesmo levar a uma progressão do regime para melhor. A política do medo é uma que não evolui. É estagnada por si e pela sua forma prática, mas ainda assim tende a perpetuar-se: pelo pavor que imobiliza quem está por baixo, pelo conformismo e/ou sectarismo que infecta quem está por cima. "A Vila" trata de um sistema de governo pelo medo. As relações são deterioradas porque há segredos demais, e a revelação desses segredos acaba inevitavelmente por levar ao sofrimento - do corpo, da mente e do espírito. Nada tira da minha cabeça que o personagem Noah (brilhantemente interpretado por Adrien Brody) foi à demência por descobrir a farsa dos anciãos. Por isso ele se diverte tanto com a noção de que aqueles-de-quem-não-falamos estão vindo. Noah personifica a dor da mente. E que um personagem com o nome de Noé mate e esfole animais é uma crueldade deliciosa do roteirista, falando sobre a inversão de valores gerada pela gestão do horror. Lucius é o sofrimento do corpo. A vítima direta e óbvia. Quando o poder é exercido pelo medo, a violência física torna-se inevitável em algum ponto. É porque Lucius não tem medo que a jovem Ivy se apaixona por ele. É porque Lucius não tem medo que ele desperta a inveja de Noah. Por ter coragem, Lucius sofre. Assim funciona esse tipo de governo - seja no cinema, seja nos porões da tortura para onde é levado quem se levanta contra a ordem estabelecida na vida real. O medo da dor é primordial ao ser humano, e a violência germina - também - a partir disso. Walker é o sofrimento de espírito. O líder que percebe o quão distorcido se revelou seu sonho, e em desespero arrisca o que mais ama - a filha e o próprio sistema - na esperança de salvar alguém que, ele acredita, possa dar continuidade ao modo de vida da Vila. Para governar é preciso não ter medo. E Lucius, vejam que curioso, é a única figura masculina da história que se enquadra nesse perfil. Nenhum esforço é poupado para salvá-lo porque a política do horror precisa da inocência, da esperança e da coragem em doses controladas para sobreviver. Triste, mas real. Em suma: o medo é péssima forma de liderar. E "A Vila" é uma crítica muito mais ácida a George W. Bush do que qualquer esforço panfletário de Michael Moore, com quem ando meio decepcionado nos últimos tempos. O medo gera distorções nocivas de cognição da realidade, e cedo ou tarde foge ao controle de quem julga estar manipulando as cordas, escalando a regimes de terror. Marquem a data: sábado, onze de setembro. No mundo de hoje... de que lado está o terror?

10.9.04

A Vingança Brasileira

Quero deixar claro que não acredito em passar para frente aquelas insuportáveis correntes eletrônicas. Mas recebi essa aqui num momento de stress alucinado, e acabei dando boas risadas na redação. O timing não poderia ter sido melhor. Ademais, a idéia me parece ótima e, em última análise, não estou repassando o e-mail - estou apenas postando no blog...

ATENÇÃO!
Estamos organizando a grande vingança brasileira: dia 1º de Janeiro, na São Silvestre! Todo mundo em São Paulo... vamos derrubar todos os quenianos, irlandeses, ou seja lá quem for que tente cruzar a linha de chegada. Virou a esquina na Paulista, já toma voadora no pescoço. Só brasileiro passa... Vai ser fantástico! Vamos divulgar no IRC e no ORKUT, e fazer uma grande corrente. Estamos prevendo cerca de 4000 adesões ao movimento, com a participação especial de alguns atletas de vale-tudo. Os seguranças de boite que quiserem se integrar à luta terão suas passagens patrocinadas, e ganharão de brinde uma camisa com a inscrição "eu apóio!"

8.9.04

Atriz, autora e filósofa contemporânea

"Nunca vou entender por que sexo, razão e coração - que estão no meio - nos levam por caminhos tão extremos."
- Clarice Niskier, em Buda.
Em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, de sexta à domingo, 21hs.

5.9.04

Por onde nada a Enguia?

Uma última olímpica: ao assistir às transmissões das provas de natação em Atenas, você por acaso deu pela falta de Eric Moussambani? - aquele nadador da Guiné Equatorial que em Sidney fez o pior tempo da história na prova de 100m nado livre? Foi, à época, uma das imagens mais exploradas e exaltadas dos Jogos. Pelo inusitado de um nadador olímpico quase afogar-se, e pela garra mostrada pelo sujeito que, contra todas as expectativas, completou a prova em 1m52s72. Para referência: o australiano Ian Thorpe, em Sidney, fechou a prova dos 200m em oito segundos a menos. Eric Moussambani ganhou duas coisas em Sidney: o apelido "Enguia", pelo estilo peculiar de natação, e um patrocínio da Speedo. Passou a treinar na Espanha. Trabalhou duro para melhorar seu tempo e ir à Atenas. Melhorou sua marca em 50 segundos. Você o viu ao lado de Michael Phelps ?! - Nem eu. Por quê?!
(...)
Porque o Comitê Olímpico da Guiné Equatorial perdeu a foto do cara, e não pôde credenciá-lo para os Jogos.

2.9.04

(Displacing) Air

My name is flying free
Just like an eagle.
Wind on my feathers,
I watch from above.

Searing silently.

To steal my prey from the ground in a surge.

Hail to the wind!
Hail to the wind!
Elevating my body and soul;
Light in spirit, strong in mind.
In Freedom I roam.