26.10.04

Clarice Linspector

Achei absolutamente genial:

"Quero morrer com vida. Juro que só morrerei lucrando o último instante. Há como quero morrer... mas nunca morrer antes de realmente morrer.
(...)
Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas; por isso respondo com a pureza de uma alegria indomável, e a minha própria morte e a dos que amamos têm que ser alegres - não sei ainda como, mas têm que ser.
Aliás, não quero morrer. Recuso-me contra Deus. Vamos não morrer como desafio?
- Não vou morrer, ouviu, Deus?! Não tenho coragem, ouviu?
...Não me mate, ouviu?
Porque é uma infâmia nascer para morrer não se sabe como nem onde. Vou ficar muito alegre, ouviu? Como uma resposta, um insulto. Uma coisa eu garanto: nós não somos culpados. Esta noite sonhei que estava sonhando. Será que morrer é assim? O sonho de um sonho de um sonho?
Ah! Viver é desconfortável. Tudo aperta. O corpo exige, o espírito não pára. Viver parece ter sono e não poder dormir. Viver é incômodo. Não se pode andar nu nem de corpo nem de alma... Estou tão perdida. Mas acho que é assim mesmo que se vive.
Acho que vou morrer um pouquinho. Estou tão precisada...
Eu sei morrer. Morri desde pequena. E dói, mas a gente finge que não dói. Estou com tantas saudades de Deus!
Morrer na Primavera... morrer de saúde... morrer de vida... estou com muita saudade de Deus."

É isso. Algumas pessoas simplesmente têm o dom.

Nenhum comentário: